
Direção: Tate Taylor
Roteiro: Tate Taylor
Elenco: Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Sissy Spacek.

Por Caio Viana
Alguns críticos resolveram conceder belíssimos adjetivos para o filme do diretor Tate Taylor tais como “preconceituoso”, “tolo”, “racista” e “estereotipado”. Assim, mergulhado nesses pré-conceitos, fui à sessão com a expectativa em baixa, aguardando por um resultado desastroso. Imaginem minha surpresa ao me deparar com um leve e descontraído retrato de uma parte obscura da história humana, que por sinal, persiste até os dias atuais, porém camuflada. Talvez esses críticos tenham ignorado alguns fatores importantes, como conceder à obra o crédito por abordar um assunto tão complexo e pesado de maneira que toque a todos os públicos sem restrições. Ou apenas tenham esquecido de traduzir literalmente o título em inglês – The Help – que por si só já justificava todos os supostos problemas existentes na ideia de brancos ajudando negros. Assim, o resultado desse Histórias Cruzadas não é só positivo como, mesmo ainda não tendo visto vários dos concorrentes ao Oscar 2012, arrisco-me a dizer que esse seja o exemplar mais belo e emocionante entre todos, tal qual foi O Discurso do Rei no ano passado.
Ambientado no Mississipi dos anos 1960, o filme narra os passos de Skeeter (Emma Stone), uma garota da sociedade sulista que volta da universidade determinada a se tornar escritora, mas faz a vida de seus amigos virarem de cabeça para baixo quando resolve entrevistar as mulheres negras que passaram toda a sua existência cuidando de proeminentes famílias sulistas. Para tanto, a garota conta com o auxílio de Aibileen (Viola Davis), uma das empregadas domésticas da comunidade. Apesar de as amizades de toda a vida de Skeeter estarem em risco, ela e Aibileen continuam seu trabalho conjunto e, logo, mais mulheres aparecem para contar suas histórias.
Apesar de ser um “quase iniciante” por trás das câmeras, Taylor surpreende com seu olhar singelo sobre os acontecimentos que resolve narrar. Mesmo em instantes em que tudo parece prestes a explodir, o cineasta mantém a calma e conduz o espectador nessa viagem pitoresca sem jamais deixar de emocionar. Em produções que exigissem um tom mais obscuro, tal visão talvez se tornasse um problema. Aqui, porém, tudo parece se encaixar. Basta ver os planos abertos ou travellings que Taylor acrescenta aqui e acolá, não só permitindo que o espectador dilua qualquer possível tensão criada a partir das relações dos seus personagens, como também servindo para ilustrar a beleza bucólica de uma cidade que, na verdade, adoece em seu interior, num caso clássico do ditado “as aparências enganam.”
Auxiliado pelo flutuante diretor de fotografia Stephen Goldblatt, o cineasta cria momentos para se apreciar, como aquele em que Skeeter, decepcionada com os amigos por sentir-se isolada do grupo, conversa com sua antiga empregada, Constantine (vivida de forma tocante por Cicely Tyson, que compõe alguns dos momentos mais tristes da obra). Mesmo cercadas pela copa de uma árvore, as duas permanecem iluminadas por uma tênue luz do dia, quase um halo angelical, contrapondo-se ao retorno à realidade mais apagada na qual a garota começa a perceber os problemas de seus amigos e vizinhos.
A direção de arte de Curt Beech também é feliz não só ao retratar a época, algo mais que esperado em um filme do gênero, como ao compor cenários simples dotados de significado, como no final da trama em que vemos uma reviravolta num supermercado local. Aquele podia ser um simples lugar aonde se vai às compras, mas Beech enche todas as prateleiras de produtos com rótulos coloridos, emparelhando-se não só à leveza supracitada do filme, como também esmorecendo as sombras e preparando o terreno para um instante de premente felicidade e surpresa.
Mas o grande trunfo da fita fica mesmo por conta de seu elenco, que conta com a poderosa interpretação de Viola Davis, incumbida de dar o tom mais pesaroso da obra, fazendo-o com maestria. Sempre com o sofrimento de sua longa existência estampado na face, é impossível não se comover com a dor e a amargura que Aibileen carrega, e corajosa é a decisão de mantê-la sofredora até o fim, numa cena que não narrarei para poupar o leitor de qualquer quebra na possível experiência cinematográfica. Enquanto isso, a vitória de Octavia Spencer na noite do Oscar é quase certa já que, na pele de Minny Jackson, a atriz consegue incorporar toda a difícil realidade de qualquer um que em seu lugar estivesse, e não esmorece nem mesmo diante da difícil tarefa de comandar sem ser desrespeitosa, ao aceitar o trabalho na casa de uma família aos pedaços. E mesmo que Jessica Chastain merecesse ao menos uma indicação pela composição no melhor filme do ano passado, A Árvore da Vida, jamais soou injusta essa sua nomeação para concorrer como coadjuvante em Histórias Cruzadas. Com toda sua histeria hilária, Celia Foote, a persona de Chastain, é ainda meiga e cativante, rompendo a barreira do salto alto na qual atrizes menos experientes talvez ficassem presas e, indo além, a atriz ainda consegue ser o retrato inverso da ignorância: aquele que conduz à pureza da inocência felizmente plantada pelo isolamento causado por suas supostas amigas. E com seu nariz naturalmente empinado (não por culpa da personalidade, mas por conta de uma característica física), Bryce Dallas Howard recebe com naturalidade os conceitos odiosos de Hilly Holbrook, com os quais convive ao longo da projeção.

Dessa forma, diante de um elenco tão bem orquestrado, o elo mais fraco fica por conta da co-protagonista Emma Stone, que não consegue se dissociar por completo de seus trejeitos mais adolescentes ou mesmo das expressões corporais que melhor se encaixam nas comédias que estrela. Sua Skeeter tem pouco de revolucionária, não no texto, mas sim na personificação, e acaba permanecendo apagada durante toda a obra, enfraquecendo-a.
Já o roteiro escrito pelo próprio diretor e adaptado da obra literária de Kathryn Stockett é muito mais bem sucedido não apenas ao colocar como verdadeiras heroínas da fita as amigas Aibileen e Minny (indo de encontro ao proclamado pelos críticos), já que tem em Skeeter apenas o impulso inicial para romperem barreiras e quebrarem paradigmas, como também justifica o título – The Help – afinal, mesmo que houvesse um jovem branco e revolucionário disposto a lutar pelos direitos de uma minoria, a marcha jamais sairia do lugar sem que essa mesmo minoria estivesse disposta a brandir armas. Mas não é só. Histórias Cruzadas, longe de ser um filme racista, é um belo retrato, mesmo que suavizado, da crueldade humana sustentada por falsos ideais e suplantada pelo desejo singular da coexistência e da esperança, felizmente.
Roteiro: Tate Taylor
Elenco: Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Sissy Spacek.
Por Caio Viana
Alguns críticos resolveram conceder belíssimos adjetivos para o filme do diretor Tate Taylor tais como “preconceituoso”, “tolo”, “racista” e “estereotipado”. Assim, mergulhado nesses pré-conceitos, fui à sessão com a expectativa em baixa, aguardando por um resultado desastroso. Imaginem minha surpresa ao me deparar com um leve e descontraído retrato de uma parte obscura da história humana, que por sinal, persiste até os dias atuais, porém camuflada. Talvez esses críticos tenham ignorado alguns fatores importantes, como conceder à obra o crédito por abordar um assunto tão complexo e pesado de maneira que toque a todos os públicos sem restrições. Ou apenas tenham esquecido de traduzir literalmente o título em inglês – The Help – que por si só já justificava todos os supostos problemas existentes na ideia de brancos ajudando negros. Assim, o resultado desse Histórias Cruzadas não é só positivo como, mesmo ainda não tendo visto vários dos concorrentes ao Oscar 2012, arrisco-me a dizer que esse seja o exemplar mais belo e emocionante entre todos, tal qual foi O Discurso do Rei no ano passado.
Ambientado no Mississipi dos anos 1960, o filme narra os passos de Skeeter (Emma Stone), uma garota da sociedade sulista que volta da universidade determinada a se tornar escritora, mas faz a vida de seus amigos virarem de cabeça para baixo quando resolve entrevistar as mulheres negras que passaram toda a sua existência cuidando de proeminentes famílias sulistas. Para tanto, a garota conta com o auxílio de Aibileen (Viola Davis), uma das empregadas domésticas da comunidade. Apesar de as amizades de toda a vida de Skeeter estarem em risco, ela e Aibileen continuam seu trabalho conjunto e, logo, mais mulheres aparecem para contar suas histórias.
Apesar de ser um “quase iniciante” por trás das câmeras, Taylor surpreende com seu olhar singelo sobre os acontecimentos que resolve narrar. Mesmo em instantes em que tudo parece prestes a explodir, o cineasta mantém a calma e conduz o espectador nessa viagem pitoresca sem jamais deixar de emocionar. Em produções que exigissem um tom mais obscuro, tal visão talvez se tornasse um problema. Aqui, porém, tudo parece se encaixar. Basta ver os planos abertos ou travellings que Taylor acrescenta aqui e acolá, não só permitindo que o espectador dilua qualquer possível tensão criada a partir das relações dos seus personagens, como também servindo para ilustrar a beleza bucólica de uma cidade que, na verdade, adoece em seu interior, num caso clássico do ditado “as aparências enganam.”
Auxiliado pelo flutuante diretor de fotografia Stephen Goldblatt, o cineasta cria momentos para se apreciar, como aquele em que Skeeter, decepcionada com os amigos por sentir-se isolada do grupo, conversa com sua antiga empregada, Constantine (vivida de forma tocante por Cicely Tyson, que compõe alguns dos momentos mais tristes da obra). Mesmo cercadas pela copa de uma árvore, as duas permanecem iluminadas por uma tênue luz do dia, quase um halo angelical, contrapondo-se ao retorno à realidade mais apagada na qual a garota começa a perceber os problemas de seus amigos e vizinhos.
A direção de arte de Curt Beech também é feliz não só ao retratar a época, algo mais que esperado em um filme do gênero, como ao compor cenários simples dotados de significado, como no final da trama em que vemos uma reviravolta num supermercado local. Aquele podia ser um simples lugar aonde se vai às compras, mas Beech enche todas as prateleiras de produtos com rótulos coloridos, emparelhando-se não só à leveza supracitada do filme, como também esmorecendo as sombras e preparando o terreno para um instante de premente felicidade e surpresa.
Mas o grande trunfo da fita fica mesmo por conta de seu elenco, que conta com a poderosa interpretação de Viola Davis, incumbida de dar o tom mais pesaroso da obra, fazendo-o com maestria. Sempre com o sofrimento de sua longa existência estampado na face, é impossível não se comover com a dor e a amargura que Aibileen carrega, e corajosa é a decisão de mantê-la sofredora até o fim, numa cena que não narrarei para poupar o leitor de qualquer quebra na possível experiência cinematográfica. Enquanto isso, a vitória de Octavia Spencer na noite do Oscar é quase certa já que, na pele de Minny Jackson, a atriz consegue incorporar toda a difícil realidade de qualquer um que em seu lugar estivesse, e não esmorece nem mesmo diante da difícil tarefa de comandar sem ser desrespeitosa, ao aceitar o trabalho na casa de uma família aos pedaços. E mesmo que Jessica Chastain merecesse ao menos uma indicação pela composição no melhor filme do ano passado, A Árvore da Vida, jamais soou injusta essa sua nomeação para concorrer como coadjuvante em Histórias Cruzadas. Com toda sua histeria hilária, Celia Foote, a persona de Chastain, é ainda meiga e cativante, rompendo a barreira do salto alto na qual atrizes menos experientes talvez ficassem presas e, indo além, a atriz ainda consegue ser o retrato inverso da ignorância: aquele que conduz à pureza da inocência felizmente plantada pelo isolamento causado por suas supostas amigas. E com seu nariz naturalmente empinado (não por culpa da personalidade, mas por conta de uma característica física), Bryce Dallas Howard recebe com naturalidade os conceitos odiosos de Hilly Holbrook, com os quais convive ao longo da projeção.
Dessa forma, diante de um elenco tão bem orquestrado, o elo mais fraco fica por conta da co-protagonista Emma Stone, que não consegue se dissociar por completo de seus trejeitos mais adolescentes ou mesmo das expressões corporais que melhor se encaixam nas comédias que estrela. Sua Skeeter tem pouco de revolucionária, não no texto, mas sim na personificação, e acaba permanecendo apagada durante toda a obra, enfraquecendo-a.
Já o roteiro escrito pelo próprio diretor e adaptado da obra literária de Kathryn Stockett é muito mais bem sucedido não apenas ao colocar como verdadeiras heroínas da fita as amigas Aibileen e Minny (indo de encontro ao proclamado pelos críticos), já que tem em Skeeter apenas o impulso inicial para romperem barreiras e quebrarem paradigmas, como também justifica o título – The Help – afinal, mesmo que houvesse um jovem branco e revolucionário disposto a lutar pelos direitos de uma minoria, a marcha jamais sairia do lugar sem que essa mesmo minoria estivesse disposta a brandir armas. Mas não é só. Histórias Cruzadas, longe de ser um filme racista, é um belo retrato, mesmo que suavizado, da crueldade humana sustentada por falsos ideais e suplantada pelo desejo singular da coexistência e da esperança, felizmente.
Caio Viana é Crítico de Cinema editor do blog Cinematrilha.
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